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What Can It Be: Bor Land 2000-2010
A Bor Land acaba aqui!
Texto de Sérgio Gomes da Costa 05 Outubro, 2010 Parece que os tornados e os relâmpagos não podem ter nomes, como têm os furacões. Diz-se que é por não durarem tempo suficiente. Há quem siga tornados por países inteiros mas depois não sabe como os tratar. Já os relâmpagos só ficam conhecidos pelos estragos que provocam. Por isso, baptizá-los seria da mais elementar justiça. Mas além de darem jeito em encontros de terceiro grau, os nomes são óptimos fixadores de memória. Basta um nome para os neurónios estabelecerem relações diplomáticas entre si. E quando a informação está nos antípodas do cérebro, há discos rígidos e internet para ajudarem naquilo que podem. Por exemplo: não havendo notícias da Bor Land há algum tempo, de certeza que ver o nome escrito será o suficiente para gerar associações. Vem-nos à memória muita da música portuguesa mais personalizada dos últimos tempos, daquela em que se parece estar a descobrir o segredo de alguém. Ao longo destes anos, foi-se conhecendo uma música próxima, feita por gente como nós, por muito diferentes que todos sejamos. Não é música feita para o umbigo, é música feita para alargar comunidades. Uma espécie de music next door, com estrangeirismos à mistura. Porém, esta música foi parecendo familiar também pelo modo como nos chegou. Muitas vezes, projectos díspares pareceram próximos por haver um modo Bor Land de a divulgar. Uma marca que a identificava, manifestada no cuidado gráfico, na escolha dos locais para concertos, numa constante procura da surpresa. Houve edições limitadas em sacos de pano, formatos que desafiaram as prateleiras lá de casa, split cd's com projectos (aparentemente) distantes. Tudo tão cuidado que só faltou entregar pessoalmente os discos a cada um dos ouvintes. Na falta disso, convidaram-se os fãs para jantar e ver concertos em casa da Bor Land, chegando a haver concertos em casa deles. A bem da comunidade. Acima de tudo, a Bor Land foi mostrando projectos musicais que tornaram a década 00 bastante mais interessante. Old Jerusalem, Norberto Lobo, La La La Ressonance, Alexandre Soares & Jorge Coelho, Lobster e Most People Have Been Trained to Be Bored são exemplos disso. Esta década pode não ter trazido géneros musicais que fizessem revoluções, mas trouxe formas novas de ouvir música. A revolução foi essa. Algures entre o aquecimento digital e o degelo de conceitos estabelecidos, tornou-se possível a editoras pequenas, como a Bor Land, dar visibilidade a projectos desconhecidos. A tecnologia facilitou o acesso e o acesso potenciou a ousadia. As fronteiras entre géneros tornaram-se ténues, os "discos do ano" passaram a vir do músico consagrado e do vizinho do lado. Olha-se para o catálogo da Bor Land e encontra-se uma forma nova de ouvir música – e isso está a fazer músicos diferentes. Entretanto, passaram 10 anos. É um número redondo e um círculo que se fecha. Está na altura de pegar no lápis e passar a outras geometrias. É essa a vontade dos seus responsáveis, que neste momento são o Rodrigo Cardoso e a Inês Lamares. Mas não vão sem se despedir. Deixam-nos um último evento que reúne tudo aquilo que fez o nome da editora: proximidade, sentido estético e factor surpresa. Chamaram-lhe "What Can it Be: Bor Land 2000 – 2010". Uma década é mais do que o tempo de vida de um fenómeno natural. Para a Bor Land, foi o tempo suficiente para ter um nome reconhecido com a turbulência necessária para deixar uma marca. Num mundo perfeito, um qualquer território de rotinas pouco estabelecidas, a Bor Land seria a próxima candidata a baptizar furacões, tornados, relâmpagos e outras coisas que despenteiam. No mundo que temos, perdura em muitas colecções de discos e nas nossas memórias. A Bor Land acaba aqui! |
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